quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Notas de viagem (7)

"Assaltam-me novos sentimentos, ou para ser mais exacto, sentimentos robustecidos. Estou a falar daquilo a que chamo a distância total que existe entre mim e a minha pátria. Se eu agora, passados sete meses, decidisse ficar mais um ano, o que significaria isso em termos da minha relação com o Norte da Noruega? Perderia um pouco o contacto com o continente europeu e seria puxado levemente para o Atlântico? Talvez até alguns quilómetros em direcção a África?"

Bjørn Vang, Um estrangeiro em Alfama

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Clandestinos

«O poesia tu più non tornerai»

Dino Campana


Clandestinos serão sempre os anjos de Iahwé

Enchem os primeiros autocarros para o centro
lêem o jornal de distribuição gratuita
à espera que de novo o mar se rasgue
num quarto sub-alugado da periferia
onde em vez de Corte Inglês e Continente os supermercados
se chamam Lidl ou Discount


É fácil detectar seu rosto transparente
pois pertence-lhes a solidão como um zumbido
imerso, inactual, impreciso
semelhante ao dos bosques vedados onde já não se colhe
as castanhas, a lenha morta


Nas grandes praças da Europa por onde quer que se vá
o mesmo rosto detrás dos vidros policiais
uma espécie de fantasma

José Tolentino Mendonça, A Estrada Branca, 2005.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

"Viajamos para experimentar cair fora do conforto das nossas ilusões sedentárias; mas, porque desejamos também regressar, devemos abandonar a ilusão de fazermos parte de mundos que não são, nem nunca serão os nossos.


Nenhum viajante vê nada verdadeiramente visto. Vê o que leu e ouviu, lê o que viu e sentiu. (...)
A atracção da viagem nasce da ânsia de nos confrontarmos com um instante de abismo, onde as ilusões da nossa frágil realidade quotidiana ameaçam tropeçar. (...)"

(Ramos, Manuel João, Traços de Viagem)

terça-feira, 1 de setembro de 2009

ofício de viajante

procurei dentro de ti o repercutido som do mar
a voz exacta das plantas e um naufrágio
o deslizar das aves, o amor obsessivo pelos espelhos
o rumor latejante dos sonhos, as cores dum astro explodindo
o cume nevado de cada montanha
difíceis rios, os dias

vivi talvez em Roma
no tempo em que ali chegavam os trigos da Sicília e os vinhos raros das
ilhas
a fama remota dos ladrões de Nuoro

todo o meu corpo estremeceu ao mudar de voz
cresci com o rapaz, embora nunca tivéssemos sido irmãos
e quando ficámos adultos para sempre
alguém lhe ofereceu o oficio de viajante

eu morri perto de Veneza
e quando atirava pedras aos pássaros sempre me ia lembrando de ti

Al berto, O Medo
Aprendiz de viajante

Um dia li num livro:
«viajar cura a melancolia».

Creio que, na altura, acreditei no que lia.
Estava doente, tinha quinze anos.
Não me lembro da doença que me levara à cama,
recordo apenas a impressão que me causara,
então, o que acabara de ler.
Os anos passaram - como se apagam as estrelas cadentes
e, ainda hoje, não sei se viajar cura a melancolia. No entanto,
persiste em mim aquela estranha impressão de que lera uma predestinação.

A verdade é que desde os quinze anos nunca mais parei de viajar.
Atravessei cidades inóspitas, perdi-me entre mares e desertos,
mudei de casa quarenta e quatro vezes e conheci corpos que deambulavam pela vaga noite...
Avancei sempre, sem destino certo.
Tudo começou a seguir àquela doença.
Era ainda noite fechada. Levantei-me e parti.
Fui em direcção ao mar. Segui a rebentação das ondas,
apanhei conchas, contornei falésias; afastei-me de casa o mais que pude.
Vi a manhã erguer-se, branca, e envolver uma ilha;
vi crepúsculos e noite sobre um rio, amei a existência.
Dormia onde calhava; no meio das dunas, enroscado no tojo,
como um animal; dormia num pinhal ou onde me dessem abrigo,
em celeiros, garagens abandonadas, uma cama...
e quando regressei, com a ânsia do eterno viajante dentro de mim.
Hoje sei que o viajante ideal é aquele que, no decorrer da vida,
se despojou das coisas materiais e das tarefas quotidiana.
Aprendeu a viver sem possuir nada, sem um modo de vida.
Caminha, assim, com a leveza, de quem abandonou tudo.
Deixa o coração apaixonar-se pelas paisagens enquanto a alma,
no puro sopro da madrugada, se recompõe das aflições da cidade.
A pouco e pouco, aprendi que nenhum viajante vê o que os outros viajantes,
ao passarem pelos mesmos lugares, vêem.
O olhar de cada um, sobre as coisas do mundo é único,
não se confunde com nenhum outro.
Viajar, se não cura a melancolia, pelo menos,
purifica. Afasta o espírito do que é supérfluo e inútil;
e o corpo reencontra a harmonia perdida - entre o homem e a terra.
O viajante aprendeu, assim, a cantar a terra, a noite e a luz,
os astros, as águas, os peixes e a treva, os peixes, os pássaros e as plantas.
Aprendeu a nomear o mundo.
Separou com uma linha de água o que nele havia de sedentário daquilo que era nómada;
sabe que o homem não foi feito para ficar quieto.
A sedentarização empobrece-o, seca-lhe o sangue,
mata-lhe a alma - estagna o pensamento.
Por tudo isto, o viajante escolheu o lado nómada da linha de água.
Vive ali, e canta - sabendo que a vida não terá sido um abismo,
se conseguir que o seu canto, ou estilhaços dele,
o una de novo ao Universo.

Al berto, Anjo Mudo

quarta-feira, 17 de junho de 2009

A ler também se viaja!

Nas páginas de um livro podemos viajar para bem longe, para outros continentes, outros países, outras cidades. Muitas vezes, fica a vontade de, ao lermos um romance ou o relato de uma viagem, visitar esses lugares! Vale a pena consultar as novidades!

Literatura de viagens na WOOK

LIVRARIA LEITURA

Literatura de viagens na BERTRAND

terça-feira, 16 de junho de 2009

Livros sobre viagens (2)



Veneza
Jan Morris
«Jan Morris é um génio da viagem. É também um dos maiores escritores descritivos da língua inglesa.»
Paul Theroux

terça-feira, 26 de maio de 2009

des-loc-arte (1)

é muito importante por vezes
sentirmos, num dado tempo e lugar,
que já não há ninguém que queira
falar connosco.

as ruas e os parques
os cafés e as livrarias
ficam assim disponíveis
para os ruídos que despontam
quando os outros se afastam.

há pássaros que cruzam
com o seu silvo
a nossa solidão azul escura,
o entramado dos troncos
nus e recortados.

o espaço do mundo abre-se
como uma imensa paisagem
onde há lugar para o som
do nosso coração,
dos nossos passos,
do próprio movimento
dos olhos estupefactos.

sentamo-nos numa terra estrangeira,
vemos o ir e o vir das famílias,
sentimos uma estranha ternura
pela humanidade e seus ritmos.

não estamos perdidos, nem achados.
pousámos simplesmente no mundo,
e as nuvens podem passar sobre nós
com uma leveza etérea.

Vítor Oliveira Jorge

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Livros sobre viagens














A editora Tinta-da-China começou a publicar no ano passado uma colecção de livros sobre viagens, editada por Carlos Vaz Marques.
Trata-se de livros de viagens que nada têm a ver com guias. São passagens por diferentes terras, transpostas para palavras, imagens, metáforas. Cada autor preocupa-se apenas com o seu estar ali, com a sua relação com um espaço que não é o seu, mas que o vai sendo aos poucos, numa apropriação do outro e, assim, transformando-se através dessa experiência do diferente.
É uma série muito cuidada, a não perder nenhum volume.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Notas de viagem (6)

Lire, c'est voyager; voyager c'est lire.
Victor Hugo

Notas de viagem (5)

A primeira obrigação de um viajante bem educado, ao regressar de algum país sublunar, é conversar em modo que se lhe não perceba nem o intuito mais remoto de querer leccionar alguma coisa a quem o ouve ou a quem o lê.
Ramalho Ortigão (1868)

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Notas de viagem (4)




2.
E é isso que tu sabes e tanto sentes: o importante não é chegar, é ir. Ir indo. E partir - sempre partir, sem chegar. A viagem é tudo, ir, ir, ir - perder tudo - deixar, sem vestígio, o percurso para trás percorrido, como as aves que navegam o céu vermelho do anoitecer - como fogos-de-artificio que irrompem e explodem duma só completa vez, e terminam - relâmpagos dum só esplendor, logo no vento para sempre perdidos.
Miguel Gullander
A balada do marinheiro-de-estrada

Notas de viagem (3)

1.
Para nos fazermos à estrada é necessário OBSERVAR atentamente. É a vida que stá em jogo - num lance de moeda-ao-ar. Joaga-se para perder. Para perder tudo.
É necessário observar atenta e plenamente cada pequeno detalhe da vida. Então a estrada terá outro sabor.


Miguel Gullander
A balada do marinheiro-de-estrada.

quarta-feira, 13 de maio de 2009


Numa época em que todos podemos estar a qualquer momento em qualquer parte do mundo sem, efectivamente, haver uma deslocação física, o Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, em parceria com o Clube Literário do Porto, convida-o a participar no ciclo de "Conversas sobre viagens e outras deslocações" .

Neste ciclo contaremos com a presença de viajantes, ensaístas e críticos, de modo a que possamos dialogar sobre a viagem/deslocação efectiva e a escrita de viagem.

As conversas iniciam já dia 22 de Maio no Auditório do CLP. Na sessão de abertura estará presente o escritor Miguel Gullander.

domingo, 3 de maio de 2009

Notas de viagem (2)

Um relato de uma viagem é um relato fiel dessa viagem. Não se inventa. É um documentário. A ficção está cheia de invenção, de imaginação, fantasia. com o livro de viagens, quando nos sentamos para o escrever, sabemos como vai acabar.
Paul Theroux

Notas de viagem (1)

Pour moi, voyager, c'est gagner par déracinement, disponibilité, exposition, le centre de ce champ de forces qui s'étend d'ailleurs partout mais dont il faut que nous cherchions, par déplacement géographiques ou mental, l'accès que nous y est particulièrement réservé. Il y a bien d'autres Sésames: l'alccol, l'éros, l'opium, la méditation immobile. Pour moi, comme pour la nombreuse famille dont je suis tributaire et dont je descends, c'est l'état nomade qui m'a fourni une clé: grand voyage ou petit voyage, Chine Central ou Suisse orientale, le voyage n'étant pas affaire de kilomètres mais d'état d'esprit. Une fois gagné ce point central, reste à racinter avec les moyens du bord ce qui s'y passe, ou plutôt, le peu qu'on en aura compris.
Nicolas Bouvier

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Cadernos de Literatura Comparada - Viagens











O nº 18 dos Cadernos de Literatura Comparada é dedicado ao tema "Viagens". Esta publicação é fruto da investigação levada a cabo pelos investigadores do ILC e por colaboradores externos que reflectem e teorizam esta temática.